ATALLA AYAN E MARÍLIA CAPUTO: RECITAL DE ANO NOVO 2009
Widmung de Schumann é poesia musical e nela, novamente, a ópera se fez presente quando a câmera deveria imperar. A interpretação, apesar de bonita, teve mais voz do que o necessário, embora Ich grolle nicht requeira naturalmente uma interpretação mais dramática e, consequentemente, uma voz operística se bem empregada pode obter um ótimo resultado vocal e musical. Mas Atalla sente bem Ich grolle nicht; o que já é meio caminho andado.
O Lundu da Marquesa de Santos pelo fato de ser brasileira é uma canção que chega mais perto de nós e, creio eu, esse foi o fator de corte no controle vocal empregado por Atalla. A sonoridade aqui sob medida, sem força, sem gritaria. Afinal, cantar em português é bem complicado, devido ao nosso idioma se projetar muito na máscara; o que pode deixar o canto pontudo e com luminosidade além do necessário.
Benedetti sia Il giorno, Il mese, l’ano mostra bem porque eu não morro de amores por Liszt. Reconheço que ele foi gênio, mas acho que sua música não tem tesão, apesar de bem escrita. Ela não tem aquele ardor de amante latino e pianista desvairado que dizem que Liszt foi.
Já Paolo Tosti é um italiano que combinou na medida certa o ardor operístico com o comedido da música camerística. Mestre das gradações lembra-me Haendel ao usar as tonalidades para expressar sentimentos e Tchaikovsky no manipular da dinâmica para obter o sublime nas suas músicas. Pois bem, Atalla Ayan cantando Tosti é um acontecimento, sobretudo L’alba separa dalla luce l’ombra, uma canção que bem poderia fazer parte de uma ópera sem causar estranheza de tão operística que é. Non t’amo più e Vorrei morire são canções ouvidas em primeira audição para mim, mas Ideale – que o próprio Atalla já cantara anteriormente – subiu mais um ponto em meu conceito: pela beleza e pela interpretação de Atalla e Marília que nela simplesmente brilharam.
As Impressões Seresteiras não foram executadas por Marília Caputo, pois sua mãe, Glória, achou não ser de bom tom música instrumental em um recital de canto e piano. Pois bem, Glória certamente desconhece os programas de concerto e recitais dados em Belém na 1ª metade do século XX quando peças instrumentais eram executadas nesses recitais para dar um descanso aos cantores. Marília prometeu que em outra ocasião executa a peça de Villa-Lobos.
As árias operísticas No puede ser (La Tabernera del puerto /Sorozabal) e Kuda, Kuda vi udalilis (Eugênio Oneguine/Tchaikovsky) terminaram o programa com música pra lá de sentimental, amorosa e de beleza encantadora, sobretudo, a célebre ária de Lensky cantada no III ato da ópera de Tchaikovsky; que para os bons conhecedores de história da música foi gênio supremo no cantar os sentimentos humanos.
Bom, o trabalho dos professores de canto do MET é muito bom, pois Atalla está agora com uma visão operística mais profunda, mais centrado na sua interpretação e com uma voz essencialmente operística, o que por um lado é bom (ópera), mas por outro é ruim (câmera).
Explico-me. Atalla montou um recital com canções e só duas árias operísticas para “economizar voz”; mas o que ouvimos foi um canto a plenos pulmões com um volume sonoro próprio para um teatro operístico, mas inapropriado para uma sala de concerto como a Augusto Meira Filho. Resultado: gastou voz desnecessariamente e dos nossos ouvidos (dos que estavam nas primeiras fileiras) foram bombardeados com muito som. Ao final do recital o meu ouvido direito parecia ter passado por um concerto de trompete executado, digamos, ao pé do meu ouvido. Infelizmente, não fiz gravação do recital desta vez para vocês poderem conferir. Falha minha. Quem não foi perdeu um belíssimo recital de canto e piano que foi quase um concerto sinfônico.
Para finalizar chamo a atenção dos músicos para um problema de ordem técnica: a ordem das peças no programa foi totalmente alterada, o que sempre é um problema. Para o público que não conhece as peças fica a desorientação ao seguir a ordem das músicas. Para musicólogos que trabalham com repertório, como eu, ficam registradas historicamente as peças na ordem impressa. Desta feita, caso as alterações não estejam anotadas nos programas, quem neles pesquisar tomará a tal ordem como verdade, sem nem imaginar, que na realidade, a ordem das músicas apresentadas não foi a impressa.
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